terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Maricota e o ano que mudou tudo.



Já fazia mais de um ano que Maricota tinha abraçado sua família pela última vez, porque ela estava partindo para abraçar o mundo.

Já faziam tantos meses que a casa dela não era dela. Claro que as vezes parecia ser. Como "eles" dizem lar é onde o nosso coração está. Mas "eles" não entendem que as vezes nosso coração fica dividido em dois, ou três pedaços pelo mundo.

Quando alguém passa muito tempo sozinho andando por aí é fácil se apaixonar pelo caminho. Se apaixonar por cidades, pessoas, sabores, paisagens, um por do sol, e até por quem a gente é quando está ali. Tudo encanta. E tudo que encanta desperta na gente aquela vontade de não deixar ir, de ter sempre ao alcance. Freud explicou como o ser humano tem sempre esse impulso de tentar repetir tudo que trás prazer e evitar dor... Maricota queria guardar esses momentos perfeitos em uma caixinha e por no bolso. Ter tudo ali a sua disposição. Porque ela ainda não estava pronta pra desistir de todo o resto pra estar ali. E todos os outros pores do sol que ela ainda não tinha visto?

Maricota que sempre achou que não precisava de ninguém. Sempre foi muito orgulhosa por ser tão independente, mal sabia ela que sua definição de independência ainda precisaria ser esticada e torcida pra que ela pudesse realmente se considerar autosuficiente.

Conforme os meses foram passando ela foi entendendo que, de fato, ela não precisava de ninguém. Ela sobrevivia e até que vivia bem com ela mesma. Ela riu sozinha e chorou sozinha. Mas a vida irônica como ela só, mostrou pra Maricota que as vezes era melhor não estar sozinha. Era bom ter alguém pra compartilhar momentos que de tão intensos não cabem na gente e transbordam nos outros. Seja esse momento aquele riso que faz a bochecha doer ou aquele choro que borra todo o rímel.

Ela viu muitos dos seus conceitos se desfazerem, como castelos de areia, no vendaval multicultural em que ela caminhava diariamente. Há uns meses atrás, Maricota era tão certa de certas idéias... Hoje a única certeza que ela tinha era que, no fundo não existem idéias certas ou erradas, só pontos de vista diferentes e histórias diferentes. 
 Ela tentava incessantemente julgar menos e ser mais compreensiva.  Maricota aprendeu a concordar em discordar e a respeitar as opinões alheias. Mas também encontrou voz dentro de sí pra fazer com que a sua opinião fosse respeitada.

Ela não tinha ficado rica, sequer tinha encontrado um gringo lindo, rico e maravilhoso. Seu inglês não tinha ficado perfeito, ela tinha sotaque e confundia as preposições. Ela não tinha viajado tanto quanto ela gostaria ou quanto as pessoas imaginavam. Ela não podia comprar todas as roupas que queria ou visitar os melhores restaurantes todo final de semana. Não, a sua vida não era perfeita. E não, ela não era feliz todo dia. Ela ainda acordava de mal humor e batia o dedinho na quina dos móveis. Mas ela era sim, grata por tudo que tinha experienciado até então. Ela tinha tido a chance de vivenciar tantos momentos incríveis... E no fundo, era isso o que ela procurava, não era? Era esse tipo de riqueza que Maricota almejava.


Maricota achava engraçada a idéia de que todo mundo que muda de país tem que ter uma vida perfeita. Antes de ir ela sabia que quando a gente decide mergulhar no desconhecido tem que manter as expectativas sob controle. Ela estava sim indo atrás de condições melhores, de possibilidades novas. Mas a vida aqui, ali ou ai depende muito do que existe dentro de cada um de nós e de sorte/destino/Deus.

Ingenuidade imaginar que existe perfeição em qualquer lugar do mundo. Existem momentos perfeitos, não existe vida perfeita.


Mesmo assim, Maricota ainda achava que cada dia, mesmo cada um dos terríveis, tinha valido a pena. E como tinha. Ela sabia o quanto tinha crescido e se desenvolvido por que tinha tido necessidade de fazê-lo. Se ela tivesse pra onde correr provavelmente não teria enfrentado tantos dragões. Ela se sentia rica em experiências e sentia que tinha vivido mais nesse último ano do que em dez outros. E ainda sim ela sentia, cada vez mais, que tinha tanto a aprender...

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